27 de Maio de 2010
21 de Maio de 2010
O entusiasmo do que ainda não viu é proporcionalmente igual ao desentusiasmo do que já viu tudo. Já ter visto tudo é errar o olhar, é ser doente dos olhos. É a verdadeira cegueira, a que não tem cura.
Aprender a ver por todos os poros. Transformar a pele em mil olhos. Ampliar a vista e o que se avista, levando o oftalmologista à miséria.
Mas a vista pode ser perigosa quando quer dominar o corpo e cegar os mil olhos. As pálpebras têm então de entrar em acção fechando as persianas de castigo.
19 de Maio de 2010
Nas minhas costas havia uma mulher dolorosa a rezar
A sua oração era sentir a dor e abraçá-la
Prenderam-lhe os cotovelos com um cinto para que as mãos chegassem mais alto
e duas asas adormecidas abriram-se em leque de cada lado
"Somos todos anjos a quem a queda enterrou a cartilagem para impedir a fuga”, clamava ela
e voou
6 de Maio de 2010
A desordem do território impede a manifestação do ser primordial.
Guerras e obras são urgentes, mas cá dentro. Arrasa-se tudo. Como um campo de batalha depois da passagem da frente leste.
4 de Maio de 2010
Olhar para o céu do livro e encontrar as constelações.
Hoje, na aula da MFM, fiz uma ligação em forma de constelação:
Cassandra---------Antígona------------Etty
Cassandra---------Antígona------------Etty
Apesar da dor e do sofrimento, há a convicção profunda de que a vida é bela e deve ser louvada.
3 de Maio de 2010
Em Lisboa, na Capela do Rato, há um padre que me guia até à Eucaristia.
28 de Abril de 2010
um marcador que não deixe marcas; uma biblioteca de livros em branco; um lápis desafiado; um caderno só linhas; um agrafador agrafado; um computador sem teclado; uma memória vazia; um estar quieto agitado; beber de um copo entornado...
25 Abril de 2010
E ele ordenou que os peitos de todas as mulheres que recentemente tinham dado à luz desaguassem parte do seu leite num oceano subterrâneo criado para alimentar o mundo em tempo de escassez; e a todas as crianças abandonadas o instinto de esgravatar a terra e beber; e ao vento, ensinou o ritmo de berço que serena os medos.
23 de Abril de 2010
Quando era pequena ninguém me disse que era o verso que vinha ter à boca e não a boca que procura o verso; em vez de poeta tornei-me comilona.
22 de Março de 2010
Era um poeta que dizia palavras estranhas
Maiores do que o diâmetro da cabeça da terra
Palavras oráculo para interpretes que ainda hão-de vir
Palavras corajosas que rompem com a nossa esfera de átomos
e alcançam mais longe do que os actuais aparelhos inter-galácticos
Porque sendo luz viajam à sua velocidade
Palavras que não são só palavras, mas um desfiar do novelo do ADN universal
Palavras que homens antes dele tinham adivinhado que chegariam, mas que só depois dele alguém confirmará que chegaram.
Porque ele veio antes e ficou para depois do seu tempo
Porque ele não falava da guerra, não falava do amor, não falava da morte, não falava da vida, não falava do medo,
Falava do que haverá depois e do que havia no início
dA criação
N sabia que os filósofos um dia seriam poetas ou músicos
porque a filosofia usa uma linguagem demasiado humana
E só a poesia e a música rompem o já semeado
E entram no campo do não-criado
Mas só a poesia pode ser interpretada e, assim, conhecida
17 de Março de 2010
Havia um crítico; um crítico de um crítico; um crítico de um crítico de um crítico; um crítico de um crítico de um crítico de um crítico; quando o primeiro crítico se levantou a torre desmoronou-se e descobriu-se que debaixo dele havia _________ nada; a imagem encontrava-se muito longe dali.
22 de Janeiro de 2010
Houve um tempo em que minhas mãos multiplicaram-se para agarrar todas as palavras do mundo e mil dedos traziam-mas à boca freneticamente, não me deixando tempo para mastigá-las. Depois de as aconchegar nas infindáveis estantes dos intestinos, comecei a minha cura de desintoxicação; e uma a uma foi obrigada a sair pelos orifícios - vapores, gazes, líquidos, sólidos. E senti, no ventre vazio, o silêncio do mundo. Libertara-me da(s) história(s). Era finalmente livre.
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