maio 23, 2011








DECLARAÇÃO


Moro nas sarças. Raramente saio daqui.
Gosto de por aqui ficar.
Há sempre alguém por perto,
alguém que nos diz não vás longe,
alguém a quem chega a maresia,
a erva, o espectro duma ave rapina
adejando sobre a leveza da sombra


Aqui há sempre alguém por perto,
alguém com quem falar
do que nada importa,
alguém que nos abre, isso mesmo,
a porta, alguém que diz fica
e nós ficamos porque sabe bem ficar
a falar do que não importa:
dos moinhos, dos pastores, 
dos amoladores, da pescaria,
dos vários tipos de isco
que o peixe exige ao largo das sarças.


Sabe bem ficar neste horizonte
de não pretender entrar.
Sabe bem dizer não
a quem lá do fundo acena.
Aqui sabe muito bem encostar a cabeça
ao ombro das rasuras,
voltar para dentro do cuspo
a desmesura dos gestos
tricotar a pele dos regressos,
a mesma que endurece
sempre que alguém, lá de longe,
nos promete, isso mesmo, uma conquista.


Aqui sabe bem dizer não
e declinar os convites.
Ficar, isso mesmo, pela solidão.
Como quem fica, isso mesmo,
pelos acepipes.


Mas a ti, meu amor.
Por ti de tudo me desfaço, me renovo, 
por ti tudo perco e perco-me nesse perder
como quem ganha tudo
o que pode ganhar. 
Isso mesmo: o amor
das almas que se encontram
sem nunca terem pretendido encontrar





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