maio 08, 2011



(em memória de José Augusto Mourão 1947-2011)




apocalipse
virei
reiteradamente
como as estações das flores
virei como o animal ou o corsário
semear o vento que vos lembre a morte
(e vós que vos fechais em vossa vã imagem e vossos trapos,
vós que adorais Deus olhando-vos ao espelho,
tremei de vosso assento de carne fustigada
há muito que Ele deixou às vossas portas as sandálias)
virei na eclosão das vagas
envolto em tudo quanto a vida trabalha
virei no desregramento do vento
e em vosso pasmo
assim eu cante o vinho
que sobe o rio às costas dos vindimadores
virei no circuito da palavra
que se quebra como um ramo de água
e deixareis as armas para falar sem ritos
morre-se quando de nós ficam ficaram restos
que ninguém recolhe
virei no som de Stockhausen
e quantos desconstruíram a harmonia
e o mundo antigo
para que habiteis o tempo
como quem habita as fontes
cheios de barulhos por dentro
como o vinho
à cabeça das vindimadeiras

(José Augusto Mourão, "O nome e a forma", Poesia Reunida, Assírio e Alvim, 2009)






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