março 19, 2012





De Isabelle Eberhardt, a mulher que no princípio do séc. passado trocou a França pela Algéria, e se disfarçava de homem para poder sobreviver sozinha no Sahara algerino, uma página do seu diário: "Marselha, Maio de 1901 ... Como são miseráveis os que, irremediavelmente atolados nas baixas coisas materiais do dia-a-dia, gastam as breves horas da vida em vãs e ineptas recriminações contra todos e contra tudo e ficam cegos perante a inefável beleza das coisas e diante do esplendor triste da humanidade dolorosa. Feliz aquele para o qual nem tudo se passa estúpida e cruelmente ao acaso, a quem todos os tesouros da terra são familiares e para quem nem tudo acaba tontamente na sombra da sepultura! Há seres desafortunados que vêem o mundo sob as cores mais sombrias e que, da inesgotável Beleza, que é a própria essência do Universo e da Vida, nada conhecem. É a mais deserdada dos deserdados deste mundo, uma exilada sem lar e sem pátria, uma órfã despojada de tudo, quem escreve estas linhas. E elas são sinceras e verdadeiras. Muitas vezes, nas horas de prosperidade que se foram, achei a vida aborrecida e feia. Mas desde que passei a possuir apenas o meu espírito sempre desperto, desde que a minha alma foi temperada pela dor, sinto, com uma sinceridade absoluta, o mistério inefável que se derrama em todas as coisas... O pastor beduíno, iletrado e inconsciente, que louva Deus frente aos horizontes esplêndidos do deserto ao nascer do Sol, e que continua a louvar Deus diante da morte, é muito superior ao pseudo-intelectual que acumula palavras sobre palavras para denegrir um mundo cujo sentido não compreende, e para insultar a Dor, essa bela, essa sublime e benfazeja educadora das almas... Outrora, quando materialmente «nada me faltava», mas tudo me faltava intelectual e moralmente, acabrunhava-me e expandia-me estupidamente em imprecações contra a Vida que não conhecia. É só agora, no despojamento de que me orgulho, que a declaro bela e digna de ser vivida. Há três coisas capazes de nos abrirem os olhos para a fulgurante aurora da verdade: a Dor, a Fé, o Amor - todo o amor." 
(Isabelle Eberhardt "Escritos no Deserto", Relógio D´Agua) 




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