abril 06, 2012



para a Maria João, que me ensinou a voar com pássaros




Estás aí, eu sei que estás aí,
Estás aí, eu sei que estás aí,
Calou-se, ficou quieta, muito quieta, adormeceu quando
sentiu um bater de asas por detrás da portada
todas as noites regressava
com a quietude da casa e do ritmo desacelerado de quem dormia
fosse qual fosse a temperatura externa, aquela janela nunca se fechara
até que um dia encontraram-nos mortos sobre a cama
uma menina e um pássaro, aconchegados num lençol de algodão
a presença daqueles corpos frágeis, despidos de roupa e penas
não dava pena, mas uma comoção que era um sentimento novo
tão novo que era inexplicável e ninguém teve coragem de lhes tocar e de os levar dali
deixaram-nos ficar assim
muita gente os ía visitar
por vezes eram filas imensas
a notícia tinha-se espalhado além além fronteiras e até onde já não as havia
só deixavam entrar um de cada vez
pediam para guardar silêncio
mas nem era necessário pedir porque a boca calava-se e os olhos semicerravam-se assim que se passava a ombreira da porta
havia uma cadeira junto à cabeceira
onde nos podiamos sentar
só sei que aquele momento insonoro, incolor, inodoro, aquela imagem translúcida,
ficou comigo para sempre
e nos momentos mais difíceis passou a ser fácil
só tinha de regressar àquele lugar
que afinal sempre estivera dentro de mim
não era um ir
era um regressar
a casa
à cama
ao ninho






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