Estás aí, eu sei
que estás aí,
Estás aí, eu sei
que estás aí,
Calou-se, ficou
quieta, muito quieta, adormeceu quando
sentiu um bater de asas por detrás da portada
todas as noites
regressava
com a quietude da
casa e do ritmo desacelerado de quem dormia
fosse qual fosse a
temperatura externa, aquela janela nunca se fechara
até que um dia
encontraram-nos mortos sobre a cama
uma menina e um
pássaro, aconchegados num lençol de algodão
a presença daqueles
corpos frágeis, despidos de roupa e penas
não dava pena, mas
uma comoção que era um sentimento novo
tão novo que era
inexplicável e ninguém teve coragem de lhes tocar e de os levar dali
deixaram-nos ficar
assim
muita gente os ía
visitar
por vezes eram
filas imensas
a notícia tinha-se
espalhado além além fronteiras e até onde já não as havia
só deixavam entrar
um de cada vez
pediam para guardar
silêncio
mas nem era
necessário pedir porque a boca calava-se e os olhos semicerravam-se assim que
se passava a ombreira da porta
havia uma cadeira
junto à cabeceira
onde nos podiamos
sentar
só sei que aquele
momento insonoro, incolor, inodoro, aquela imagem translúcida,
ficou comigo para
sempre
e nos momentos mais
difíceis passou a ser fácil
só tinha de
regressar àquele lugar
que afinal sempre
estivera dentro de mim
não era um ir
era um regressar
a casa
à cama
ao ninho