junho 24, 2013





numa troca epistolar com um amigo que vive do outro lado da europa, eu dizia-lhe que nós, leitores, somos quem dá vida aos livros, cada vez que retiramos um livro da estante e o abrimos para ler estamos a dar-lhe corda, a fazer com que o seu coração volte a bater, que o ar regresse aos seus pulmões, que a boca volte a mastigar, falar, cantar, que as suas mãos voltem a tocar, agarrar, desenhar..., que seu esqueleto dance... E hoje resolvi dar vida ao livro da Júlia Hansen, "Alforria Blues ou poemas do destino do mar" e trazer o seu primeiro poema para aqui, para que acenda e arda aos nossos olhos e nos cante um blues...


I
Como não sei onde vamos morrer 
por baixo de um lençol branco
só vejo nas minhas unhas um pouco sujas
a limpeza áspera das tuas mãos.

Em outra vida talvez fôssemos nômades
estrelas cadentes
ou o coral que levanta das tuas cartas
os meus pontos-finais de areia
a água resolvida e encruzilhada.

À sombra da figueira brava que sobe pelas tuas costas
cresce um blues furioso, uma flor
a quem alguém chama pelo nome do futuro.

Como um deus judeu
de cem mil nomes em segredo
ou um vazio mais pleno do que turvo
o que ainda não veio 
se faz de face

sorri, sugerindo o que mostra
e estende a palma aberta
trouxeste o que me falta?
Todo o meu corpo está calmo
olho ao outro como se visitasse um aquário
entre as anêmonas do vir a ser 
a vida sem lógica sentimental dos peixes.

As pontas dos meus dedos rangem umas sobre as outras
e só percebo esta denúncia.






2 comentários:

josé luís disse...

poemas do destino do mar parece rimar com cartas de marear. confesso que não conhecia e fiquei curioso...
... toma lá um azul do brasil:
http://youtu.be/2r2odG48tSY

mp disse...

estas cartas de marear não deixam passar um blues! ;) Grande Cazuza!

ps. o livro da Júlia está à venda no site da editora chão da feira e na livraria de poesia mais bonita de lisboa que fica na Rua dos Correeiros, nº60, 1º esq. (horário 3ª a domingo das 14h às 20h)

StatCounter