outubro 18, 2010




todas as noites retiro camada sobre camada, começando pelas mais grosseiras; a lã; o algodão; a pele; o tecido fibroso; os órgãos; os ossos; despejo os líquidos; esvazio o ar; suspendo os ritmos e chego ao vazio onde finalmente descanso; um espaço livre de odor, temperatura, tacto, imagem e som. Pela manhã, encaixo os ossos nas respectivas articulações, religo as fibras, recoloco os órgãos, ingiro os líquidos, acordo os ritmos, encho-me de ar, visto e estico a pele e, sobre ela, vou colocando o algodão e as últimas camadas de tecido. Nem sempre há harmonia nas várias camadas, por vezes os líquidos entopem orifícios, os ossos rangem e deslocam-se da articulação, as fibras inflamam, os órgãos queixam-se, os ritmos aceleram, os tecidos não aquecem. Mas o vazio debaixo das camadas permanece, como um lugar onde posso sempre regressar, mesmo que de dia, e sossegar no inominável.





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